12.7.12

Impressões do Degelo

Postado por 16 mulheres e 1/2 |


“Degelo” – 1.o intercâmbio de idéias e ações  - 16 Mulheres e ½ 

Descongelar  - 24/05/12 
por Monica Lopes

Senti o corpo descongelando por mais estranho que isto possa parecer ao estar com os pés em cima de barras de gelo.  O frio do gelo ativava a eletricidade do meu corpo e - apesar do incômodo real - eu sentia meu corpo mais vivo e receptivo a tudo que estava fora. Um silêncio profundo se apossou de mim.  Sentia os micro-movimentos do meu corpo em reação a tal eletricidade que me atravessava na forma de pequenos impulsos – havia um risco ali, risco de queda abrupta, sem controle, medo do não-controle! Estes impulsos me levavam a um desequilíbrio constante, uma instabilidade recorrente. O gelo nos meus pés iniciou um processo de trincar o meu corpo de dentro para fora e, por fim, meu corpo estava vivo, pleno, presente, real. Trincava uma casca meio carne-meio gelo e eu me desfazia em meio a cidade - passeio público turístico – marco n.o 01 da cidade de São Paulo. Era noite, luzes alaranjadas, janelas ao longe acesas, prédios antigos, pessoas passavam apressadamente no seu trajeto cotidiano. Formavam-se aos poucos poças d’água que escorriam do gelo e faziam desenhos - reflexos da cidade - reflexos da experiência que acabara de acontecer ali.

Era um outro tempo. Temporalidade do permanente. Nós permanecíamos ali e algo se movia dentro de nós. Tudo ficava mais quente e vivo! Depois veio a chuva pela madrugada...




O gelo e a cidade - 24/05/12
por Monica Lopes

O gelo e a cidade: o movimento da cidade me afetava e se misturava com as infinitas mudanças que aconteciam a cada segundo dentro do meu corpo. Era um mesmo universo o dentro e o fora em eterno movimento, apesar da aparente estática do meu corpo em cima de uma barra de gelo. A permanência se fazia no experienciar estar ali, permanecer e suportar. Suportar a intensidade de vida que estava contida ali naquele instante - em se propor a vivenciar o risco, o não conhecido, o fora do lugar.

Olhava as pessoas na rua apressadas, algumas no ponto de ônibus, outras dentro dos ônibus que passavam na rua à nossa frente, elas murmuravam coisas que eu não conseguia distinguir. Neste momento eu já perdera a total noção espacial e achava que a qualquer momento iria simplesmente cair.

Depois disso senti que poderia ficar ali por uma eternidade, para o resto da vida. E não sentia mais medo nenhum.  Eu derretia e descongelava. Estava ali final tarde-quase noite -centro de SP, Pateo do Colégio - em cima de uma barra de gelo. Eu e mais algumas pessoas enfileiradas lado a lado. Olhávamos para a rua - esta movimentada mesmo à noite. Estávamos na parte mais antiga da cidade. Dalí se avista muitos prédios antigos cheios de histórias, janelas ao longe acesas.

Um homem fazia entrega, outro voltava do trabalho ainda de uniforme. Homens vestidos de terno olhavam enquanto passavam apressadamente. Uma moça parou e tirou uma foto. Um homem fumou. Tinha algo ali de bicho, exótico, de algo fora do tempo e do lugar.  Havia uma contradição. Olhei pessoas voltando para casa cansadas de mais um dia de trabalho. Era visível. Ainda iriam pegar ônibus e sacolejar por aí, até finalmente chegar em casa.

Era uma sensação muito real olhar a cidade naquele contexto – músculos, circulação sanguínea, sistema nervoso se ativavam para se adaptar a nova realidade.  Percepção do gelo derretendo por baixo, mudando a forma, instabilidade a cada segundo, nada era estável. Cada micro-movimento era muito significante.

E neste descongelar saí vagarosamente – um pé depois o outro – do gelo.  Meus pés afundavam em um chão macio, profundo; eles afundavam mais do que de costume como se o chão afundasse com os pés. O pisar era uma sensação incrivelmente prazerosa. Meu corpo inteiro não era mais o mesmo. Derreteu, trincou e só ficou a camada mais interna. E esta camada estava ali andando agora. As vezes olhava para trás e via as marcas dos meus pés no gelo e voltava a caminhar. 

Pela tarde fez Sol mas depois tinha uma nuvem que insistia em ficar nos acompanhando. Ficamos lá com guarda-chuvas e caixotes na conversa com a Graziela.

Depois veio a chuva na madrugada....

A chuva chegou por fim e eu sentia dentro de mim ainda a àgua do gelo derretido - memória do corpo, da pele, imagens de cidade - uma pele em carne viva depois da casca ter rachado e saído.